domingo, 3 de outubro de 2010

Hedonismo


Como eu desejo voltar no passado, voltar em uma época que nós éramos a Segunda Guerra, e que agora sou só o destroço dela, sou só um rio esperando que a Terceira Guerra venha, que você venha, em busca de água para teu país, que venha matar a tua sede em mim. A Guerra que me parecia inevitável, mas que você sempre consegue evitar, matando a sua sede de pouco em pouco, em outros riachos afluentes. Mas agora eu percebi qual foi o erro da minha conjectura: eu não considerei os outros rios. E agora eu, seu primeiro rio, o rio por qual você sofreu, por qual você chorou e alimentou pequenos riachos com suas lágrimas, tão preciosas lágrimas, esquecido e trocado por um rio, um rio que já tem uma bacia pra alimentar, tem provoca com poucas gotas. É só pra você desejar beber daquela água, que tem o mesmo valor, mas que deteriora o paladar. E agora, todos os sentimentos, até os que não são afluentes até você, estão justafluvial, que se afugentaram desde que você fez essa reversão em meu curso fluvial. Isso foi no momento em que você pisou em minha terra.
Voltar, isso não adiantaria. Pois a hidrelétrica que eu abasteço gastaria a mesma água que eu daria a você, me deixando em dúvida se o que eu te cedia era suficiente para te hidratar.

domingo, 1 de agosto de 2010


A definição de dificuldade depende do tamanho que você atribiu a ela. E eu acho que nunca passei realmente por isso. Nunca passei por dificuldades financeiras. Nunca passei por dificuldades em amizades. Nunca passei por dificldades na família. Nunca passei por dificuldades com a minha individualidade consciente. E, principalmente, nunca passei por dificuldades amorosas. O que eu fiz não foi difícil, foi complicado. Só complicado para nós dois entendermos a razão do fim. Eu perguntei se você me amava e perguntei se eu te amava. Complicado também foi minha lamúria. Eu ainda te queria. Não queria como uma mulher deseja um homem, te queria como um cão deseja caçar um gato. Eu posso ter chorado também pois não existem seres perfeitos na face dessa despresível Terra, e por isso não desejamos perder nada, nunca. Mas tudo isso era carnal, não era uma situação sentimental. E quando a parte ser humana do meu ser deixou-te ir, você foi correndo. Correu demais, nem sequer te avisto ao longo do horizonte. Mas eu percebi que você preparou a tua armadilha. Essa armadilha está armada em alguém que transforme essas pequenas complicações, as quais passamos pela nossa curta estadia por essa terra, em grandes dificuldades, e que estas dificulades prenda essa pessoa a você.

quarta-feira, 28 de julho de 2010

Saudade deslocada


O que eu faço com essa saudade? Eu posso afogá-la no mar da tristeza e enterrar a sua carcaça na beira desse mar de maré imprevisível. Isso não seria sensato, pois frequentemente precisamos cuidar da barragem pra esse mar não inundar a cidade da nossa vida.
A maré violenta subverteria a carcaça, a bateria na barreira frágil, que só suporta a força das águas obscuras, transtornando a barragem e converteria em lago a cidade.É, isso não daria certo. Eu poderia também colocar a saudade junto das contentes crianças com nome alegria, no seu orfanato florido e feliz, que fica no coração da cidade. Mas essas crianças tão teimosas não gostam de indivíduos estranhos na sua morada de bem-aventurados, então jogaria a saudade pra se perder na cidade. Essa saudade ficaria revoltada e causaria uma onda de crimes. Então a corporação policial, a chamada consciência, prenderia a saudade na prisão, com o nome de desespero. Toda a cidade, pacífica e curiosa cidade, daria a atenção para essa forasteira, provocando uma desordem na rotina primorosa causando um efeito dominó, destruindo e falindo tudo o que há ali. É, isso também não daria certo. Outra opção seria colocar essa saudade no covil de malfeitores, como o da ira. A ira, muito persuasiva, convenceria a saudade a levar toda a cidade (e também as cidades vizinhas) à raiva. E a raiva transformaria tudo em sombra, e tudo que é resto viraria escravo. Provavelmente isso não daria certo. Em todas essas instituições há a possibilidade dessa saudade entrar, por mais que não saia uma coisa boa, há a possibilidade de entrar. Mas no porão do esquecimento a saudade não entra, o esquecimento não admite, e não tem espaço, para esse tipo de saudade tão forte, obstinada e grande. Então a solução para esse problema, talvez seja, construir uma casa, triste e solitária casa, para abrigar esse mendigo infortúnio, torná-lo civilizado e obrigar o resto da cidade a conviver com essa desgraça que, pouco a pouco, corrói toda a burocracia da pequena e complicada cidade com o nome de minha vida.

segunda-feira, 26 de julho de 2010

Sonhei...


Hoje eu sonhei que sai voando. Voei para os lugares que sempre quis estar. Voei e tive todos os objetos que eu quis ter. Voei e fui a pessoa mais rica que o mundo já conheceu. Voei e tive a beleza que faz um homem morto se levantar do túmulo para me ver passar. Mas eu envelheci, como todo ser humano. Envelheci e minhas asas definharam e não aguentavam mais o peso do meu corpo. E enquanto eu descansava na minha cadeira de balanço eu consegui entender que eu passei esse tempo todo infeliz. Sozinha e infeliz. Acordei. Não, isso não era um sonho, era uma previsão não muito difícil do meu futuro. Tudo isso é culpa do meu eu inconsciente. Meu eu, que vaga por aí a procura de alguma coisa ou alguém que faça o eu voltar a ser meu.

sábado, 24 de julho de 2010

Nostalgia


Sinto falta da tua imagem a me exaltar, do teu abraço a me acolher, da tua mão junto à minha me levando a imaginar algum futuro, do teu perfume que me queima o nariz quando eu lembro do pouco tempo que tivemos juntos, do teu sorriso de lua minguante, tão alegre e espontâneo que por um momento se esvai, então eu me lembro do teu olhar desalentado a me perturbar. Mas apesar de tudo isso, eu estou feliz. Não feliz por mim mesma. Feliz pois minha atitude, a mais cruel atitude, te faz feliz hoje, a felicidade que eu não pude dar no tempo que eu te tive nos meus braços. A felicidade que eu vejo em você hoje, ao meu olhar, ao alcance a ponto de você não me ver ou notar. Ou você não sente a minha falta ou não quer senti-la, então finge que não estou, que nunca existi. Eu fiz isso no início. Mas a nostalgia domina meu mundo, me debruça pra falar com você. Mas a razão tira a minha voz. E você não percebe meu desespero. Nem eu mesmo percebia o meu desespero. Já me acostumei com a dissimulação do sofrimento, nisso eu já sou profissional. Isso acontece com pessoas sonhadoras. Então fazemos uma linda prisão de vidro e colocamos toda recordação lá dentro. Isso rebela a saudade, que resolve destruir aquela utopia anacoreta. As recordações se esvaem para todos os lugares e para todas as direções. E olhar só para elas não basta, você quer tocá-las e vive-las, mas elas já viveram muito tempo em prisão e não querem mais nada que a prendam. Querem liberdade, mas te perseguem pra te agonizar. Recordação é uma coisa cruel. No dicionário recordação deveria ser sinônimo de tortura. Ou tortura é sinônimo de recordação?

Passa, tudo passa.


Eu ando lembrando e sofrendo,. E sinto saudade. E muita. É bom. Me alivia em relação às preocupações. Alívio pois já passou a parte pior, o corte anestesiante, profundo e ronceiro, que nos sangra e não conseguimos notar. Isso vai nos esgotando. E quando o desgaste já é total, a dor cega e confunde, não nos permite entender e lembrar a razão do fim. Isso é lancinante, e por mais que tentemos, não conseguimos enxergar o fim dessa dor, pois o óculos da razão nos foi tirado, e nós não somos capazes de enxergar sem eles. E o castelo de vidro que você fez da tua vida, tão frágil, é derrubado com apenas um toque, poucas palavras. Então você pensa que não vai passar, que cada dia que passa um pedaço teu será tirado e jogado em algum lugar impossível de encontrar. Mas isso passa. Tudo passa.
Tem o momento que você é obrigado a se acostumar a viver sem teus preciosos pedaços vitais e um dia decide mudar o caminho da sua monótona caminhada. Um dia você se depara com alguma coisa incomum. Um pedaço teu jogado. Você pega-o de volta. É estranho e desgracioso, mas traz conforto, é bom. Como isso nos completa, procuramos os nossos pedaços espalhados pela nossa cidade interior chamada sentimento. Cada pedaço que achamos, nos dá um ânimo novo, nos motiva a seguir em frente e achar os pedaços que faltam. E ninguém te ajuda nessa jornada, você faz isso tudo sozinho, pois só você vê a dica que te leva ao próximo pedaço. E assim nos completamos novamente. Nós vivemos, nos divertimos e nos preocupamos sem lembrar que já fomos mortos sem perceber. A melhor época é essa.
Um certo dia você se questiona: o que aconteceu comigo em uma outra época? Então você se lembra de tudo o que aconteceu, do que você passou e sentiu, e sente uma falta do que aconteceu antes da estagnação, uma saudade, uma nostalgia. Lembra-se do perfume enfeitiçador, do sorriso minguante na noite sem estrelas. Isso assusta. Mas são apenas picadas que não ferem, não deixam marcas, só incomodam. Mas você consegue viver e realizar suas ações, isso não te impede em nada, ao contrário do desmembramento. Pode chamar de masoquismo, mas eu gosto de ter essa sensação. Mas uma hora essa sensação passa. Tudo passa. Isso só passa quando você acha um outro alguém, alguém te faça sentir as mesmas sensações: felicidade, conforto e desespero.

sexta-feira, 23 de julho de 2010

São só coisas pequenas


Num belo dia eu descobri as coisas pequenas. Na verdade não foi bem isso que eu descobri. Descobri que as coisas pequenas estão sempre nos acompanhando, seja aonde for, quando for, elas estão lá, esperando você perceber-las. Elas ficam quietinhas, no seu canto, esperando o momento em que você se dá conta de que elas existem para dar o seu ensaiado salto acrobático pra nos surpreender (e elas vivem fazendo isso, já é comum), e nos faz entender muita coisa que nós não entendemos até notá-las, certa epifania. É quando você pensa: "Cadê a luz, se tudo a minha volta é sombra e treva?". E muitas vezes você só nota elas quando você está no escuro, quando a sua volta nada é bom, quando alguma coisa te falta. Nesse momento você percebe que tudo o que você julgou grande e importante nem sequer podem ser comparados as coisas pequenas, e são essas coisas pequenas que nos fazem querer olhar pra frente e nos fazem enxergar melhor a situação, ver a saída e a solução. No final, essas coisas pequenas não são tão pequenas e invisíveis quanto você pensava, era apenas você que não dava a atenção e tamanho proporcional a sua importância.

Flor de Diamante


E foi assim que terminou... Ou começou? E me veio aquela dor, uma dor de perda eterna, e eu nem tive a possibilidade de restaurar o que perdi em vão, como um espartilho que me sufoca e me impede de respirar o ar da satisfação de quem esteve com alguém e fez essa pessoa feliz. E esse espartilho que me afina tão dolorosamente me torna, apesar de mais forte, mais triste e perturbada, como se o que eu sou já não fosse o bastante. Pois a aparência forte e de sentimentos balanceados não são nada mais do que aparências, e por dentro, em um lugar que ninguém vê, tem uma flor de diamante, com uma capacidade enorme de cortar, mas que, também, se quebra com facilidade.